Outro dia eu pensei a seguinte coisa: se olhar bem olhadinho, ninguém é tão bonito assim. E se ninguém é tão bonito assim, todo mundo é bonito. Faz sentido? Pra mim faz.
Talvez seja o fato de eu ter sido criada em uma cidade de interior, com uns cinco mil habitantes, pra eu ser bastante ingênua com certas coisas, mas eu jurava de pé junto, até não muito tempo atrás, que as pessoas tinham duas saídas: nascerem bonitas ou nascerem feias. Cada vez que descubro os procedimentos estéticos que as pessoas fazem pra ficar bonitas, fico (ainda) surpresa que tenha tanta opção – tem tanta, meudeus.
Parte desses pensamentos vieram também com o Tiktok me mostrando diversos vídeos de mulheres se arrumando, pintando cabelo, fazendo skincare, pintando a unha, fazendo cirurgias, entre outras coisas. Me pergunto um pouco porque eu recebi isso, talvez porque o algoritmo saiba que sou mulher. Mas o ponto é que comecei a reparar que a diferença de uma pessoa “normal” e uma pessoa “linda” era, muitas vezes, o esforço que ela tinha em se transformar em bonita.
Obs: E olha que aqui eu nem tava querendo entrar na seara de procedimentos como cirurgias ou harmonização facial, çascoisa tudo, ia falar de coisas que fazemos no dia a dia, mas preciso mencionar uma descoberta que fiz: botox preventivo. Vi um tiktok sobre, achei curioso e fui procurar saber mais. Em resumo, é uma aplicação de botox nos locais que costumam dar rugas ou linhas pra que elas não apareçam. E uns resultados ficam muito naturais, é impressionante.
Tudo isso converge em dois problemas que me incomodam bastante: a necessidade de parecer que não envelhecemos e a padronização dos rostos. Ser mulher é padecer no inferno por tantos motivos, mas a nossa aparência ser o tempo todo uma questão central na nossa vida é algo que sempre me incomodou. Eu fico completamente esgotada de estar sempre preocupada com isso, mesmo fazendo um esforço ativo para não me preocupar. Sinto que tô sempre girando atrás do próprio rabo.
Pensando sobre isso pra esse texto, também lembrei de um episódio dessa série nova do Sex And The City, a And Just Like That, que a Carrie vai com o Antony num médico que faz procedimentos estéticos e ele faz uma análise facial que promete “remover os efeitos dos últimos 15 anos” do rosto dela. Eu gostei que, ao que parece, a imagem que eles usam pra como o rosto dela ficaria após tudo que o médico sugere fazer, é a imagem da própria Carrie de 15 anos atrás. Me pareceu que o uso dessa imagem dela própria, mais nova, é justamente pra mostrar um pouco da ironia do que a gente busca com esses procedimentos.
Eu, na verdade, não sou contra procedimentos de quaisquer tipo ou querer ser e se sentir mais bonita ou bonito. Mas a questão é de onde surge essa vontade, né? Inclusive eu acho muito problemático que a gente estereotipize as pessoas que fazem certos procedimentos, me incomoda *profundamente* uns filtros de instagram que exageram nas modificações do rosto “imitando” o efeito de uma harmonização facial “exagerada”. Me incomoda muito mais as pessoas que usam esses filtros pra criar personagens que as pessoas que fazem os procedimentos. Quando a gente aponta pras pessoas, a gente perde tempo que poderia estar apontando pra toda uma sociedade que faz a pessoa fazer o que faz. A pressão estética, pra nós mulheres, é muito cruel.
Esse texto da Jia Tolentino – autora do livro Falso Espelho –, “A Era do rosto de Instagram”, fala dos muitos aspectos sociais que estão por trás (ou concomitantes) pra nossa atual noção de beleza. Ela traz aspectos do uso das redes sociais e os filtros que modificam nossa aparência; como esses filtros são racializados, beneficiando certos aspectos das feições que são mais predominantes em certas genéticas – ocidental, claro; como hoje é quase mais comum que as pessoas cheguem em consultórios de médicos com suas imagens editadas por apps tipo FaceTune ou os próprios filtros no Instagram do que com imagens de outras pessoas como referência. No texto, um médico especialista em procedimentos estéticos fala que cerca de 30% das pessoas chega com uma foto da Kim Kardashian como exemplo do que quer pra si. Mas nem todo mundo combina com esse rosto, né?
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Nessa onda da beleza natural que embarquei quando comecei a reduzir meu lixo, eu achei que teria uma libertação dessas cobranças porque os produtos são (ou eram, há 7 anos atrás) mais simples, multifuncionais, “puros” e sem tantos apelos de marketing. Eu inclusive escrevi sobre isso nesse texto:
Depois que, o movimento da beleza natural, pra mim, é o seguinte: você entender o seu corpo. Sua pele, sua genética, seu biotipo, seu cabelo, suas cores, suas formas, o que você é. E, a partir disso, usar produtos pra equilibrar isso, deixar mais bonito, ajudar o jeito que você é a ser mais ainda. Na beleza natural não tem máscara de argila pra transformar sua pele em algo transcendental ou pra tirar rugas ou pra rejuvenescer. Essas coisas não são naturais, os cosméticos naturais são pra entender e caminhar nesse caminho que é só seu.
E, por ser só seu, você pode criar seus cosméticos em casa. Você pode pesquisar o melhor óleo vegetal e ter uma pele linda e hidratada. Você pode testar as cores das argilas. Você pode ficar sem maquiagem sem medo. Você pode aceitar seu cabelo na forma que ele ficar com seu xampu sólido natural.
Não é o mesmo cenário de hoje, com marcas de beleza natural com formulações super modernas e poderosas (que bom!) *MAS* com apelo pra “consertar” problemas ou “evitar” os efeitos do envelhecimento.
E eu não sou hipócrita de dizer que não me preocupo com os efeitos dos radicais livres na minha carinha. Me preocupo sim. Tenho uns três produtos com vitamina C, uso protetor solar todo dia, faço camadas de hidratantes pra suprir minha pele seca e, se eu não fosse tão preguiçosa e tivesse mais dinheiro, faria mais coisas. Uso corretivo pra esconder as olheiras e blush e iluminador pra parecer mais animada do que de fato estou.
Mas eu não queria ter trabalho pra ser bonita e sinto que tô o tempo todo sendo exigida isso. Talvez eu tivesse que ter nascido com outra cara, mas algo me diz que mesmo as pessoas que a gente acha muitíssimo bonitas também acordam se sentindo feias em dias ruins e bonitas em dias bons.
Na verdade, eu tenho certeza que pra ser bonita eu preciso primeiro acreditar nisso. Por isso que me irrita quando vejo discursos de marketing de marcas (as naturais me irritam mais, porque é praticamente um bonita&jovemwashing que elas fazem discretamente) pregando coisas que fazem a gente se padronizar em formatos, perfis, pedaços e todo.
“Beleza está muito ligada à segurança. É a segurança de ser quem a gente é. Explosão de beleza, para mim, é o momento que eu estou me sentindo mais segura de ser quem eu sou”
Nesse vídeo maravilhoso da Thai Bufrem (veja!!!), ela fala exatamente sobre isso. Ela, uma mulher alta, nariguda, que não possui uma beleza “padrão” e que foi produzida (maquiagem, a sobrancelha, etc) inclusive pra parecer feia nesse vídeo, fala sobre como ela começou a se sentir bonita quando se permitiu ser feia. Eu achei tão poderoso isso, ao mesmo tempo que tão simples e óbvio.
Logo depois ela fala que a gente vive parecendo que tá num concurso de beleza o tempo todo e não consigo concordar mais, eu mesma tô sempre preocupada com estar bonita. Leia-se: estar maquiada, mesmo que minimamente, estar adequada, estar bem. É difícil não pensar nisso quando eu sei que tudo é comunicação, da nossa postura às nossas escolhas estéticas. Inclusive, revisitando uns trabalhos de design achei esse trechinho que acho que faz todo sentido aqui:
“O design é considerado uma linguagem principalmente visual. Usa a cor para sugerir brincadeira ou masculinidade e o formato para envolver os usuários nas funções ou informá-los a respeito delas. Mas é muito mais que isso: o design usa todos os sentidos. (...) Os designs mais brilhantes são os que usam simultaneamente todas essas características, e fazem isso conscientes do que podem fazer.”
– do livro A Linguagem das Coisas do Deyan Sudjic.
Mas comunicação visual é uma coisa, ter que fazer modificações no nosso corpo é outra. Eu entendo que moda dá trabalho, mas faz parte de comunicar quem a gente é, como a gente se posiciona no mundo, como a gente quer ser lido pelos outros – e também por nós mesmos. Eu ligo muito pra isso, porque estética importa sim.
Não tem ninguém melhor pra explicar isso que a Miranda Priestly no Diabo Veste Prada naquele sermão sobre como o azul-celeste do suéter que a Andy comprou “achando que fez uma escolha que a exime da indústria de moda, quando na verdade, está usando um suéter escolhido pelas pessoas que estão nessa sala de uma dessas pilhas de coisas”.
Ok, voltando.
Eu penso muito, tem algum tempo, em como olhar pra natureza me permite ser mais bicho e menos máquina. Não é fácil, com toda uma construção de sociedade que vai nos empurrando numa fôrma (pode usar acento ainda? obg) pra que todo mundo fique parecido. Acho que temos conseguido ser diferentes e assumir nossa natureza quando o assunto é beleza, em especial pros cabelos que podem não ser lisos hoje em dia. Mas ainda temos que modificar as sobrancelhas, as unhas, os pelos, o rosto em geral.
Eu queria não ter trabalho pra ser bonita. Porque seja por fora ou por dentro, dá um trabalhão.
Como eu comecei dizendo: se olhar bem olhadinho, ninguém é tão bonito assim. Sabe quando você passa a conviver mais com uma pessoa e percebe coisas que antes você não percebia? Na verdade, vou até me corrigir, porque acho que a gente vê as pessoas mais bonitas conforme vê mais elas, ou seja, se olhar bem olhadinho, todo mundo é lindo. Isso porque a gente passa a ver as pessoas de fato, mais do que a nossa idealização da imagem delas. E é melhor: a versão do mundo real, complexa e única, indesvendável, do que a versão que ecoa nas nossas neuroses, dentro da nossa cabeça.
E, no fim, a beleza tá mesmo nos olhos de quem vê. Eu tenho uma amiga que a gente não pode discordar mais dos homens que a gente acha bonitos. Eu não entendo os que ela acha, ela não entende os que eu acho. Talvez seja porque beleza, como disse a Thai, é muito mais que o que a gente vê racionalmente. É tudo que a gente enxerga também subjetivamente do outro. E, sobre isso:
Eu tenho preguiça de me arrumar, de me sentir bonita só se ou quando faço certas coisas e visto certas coisas. O Tofu, a Nina e a Filó não se preocupam com isso. Eles tão perfeitos sempre. Talvez a gente também esteja, só basta pensar assim daqui pra frente.
6 séries aleatórias de crime
Eu comentei na minha apresentação que praticamente só vejo série de crime e fiquei, depois da reunião do clube do livro, de recomendar algumas. Veja bem: eu acho que aqui convém uma explicação sobre isso.
Eu vejo muita série de crime mesmo, não há mais Netflix pra mim kkk. Eu gosto de todas: ficcionais ou não. Eu não me impacto por quase nada, tem que ser *muito* absurda pra me dar calafrios. Eu acho que gosto de séries de crime porque elas costumam ter finais felizes, que é quando os criminosos são presos (ainda que eu seja contra o encarceramento, mas aí a vida é cheia dessas incoerências né). Eu também gosto porque amo investigação e jogos mentais, de adivinhação. Minhas preferidas são as que envolvem acompanhar investigação mais que qualquer outra coisa.
E um aspecto que gosto bastante é de análise mesmo dos sujeitos, em especial nas séries não-ficcionais. Penso muito na desumanização das pessoas – normalmente são histórias dos EUA – nesse mundo neoliberal capitalista a ponto dela cometer violências grotescas contra outras pessoas – na minha leitura, pra se sentir humano, algo que é negado a ela por diversos motivos.
Law & Order SVU (cada episódio é uma história separada, tem mil temporadas e começou em 1999, mas é trash porque são só casos com mulheres, crianças e “vítimas especiais”)
True Detective (a 1ª temporada é muito boa, mas essa eu realmente tive calafrios, é tenebrosa e esquisita – bem do jeito que gosto rs)
Inacreditável (só tem 1 temporada e é baseada numa história real, é muito viciante porque você quer muito saber o fim)
Fatma (uma série turca, de 1 temporada só, que deixa a gente confuso e nervoso o tempo todo e torce pros crimes acontecerem)
Fargo (derivada do filme, que é muito bom também, é uma série que eu classificaria como “gente idiota fazendo burrice e cometendo crimes” rs tem um quê de cômico também pelos exageros)
Ozark (tem crime, tem exagero, tem muita tensão e ao mesmo tempo tem uma coisa meio cômica – acho que fica meio perto de Fargo nesse sentido)
Pra ouvir
Ando viciada em Baby Te Liguei do Afrocidade e coloquei ela nessa playlist que tenho que chama brasilidades: brasil indie brasil mpb brasil hipster brasil rock de levinho.
Beijos,
Cristal Muniz
O tiktok também me bombardeia de conteúdos de beleza. E agora que eu descobri (e aceitei) meus cabelos ondulados, são muitos vídeos me mostrando como ter uma beleza "natural", como ficar "natural" e, na mistura de maquiagem natural, uma sobrancelha natural, com finalizações naturais pro meu cabelo, eu teria de passar HORAS me arrumando com dezenas de produtos. Então não é tão natural, né?
Engraçado, mais cedo, antes de ler seu texto, estava com a maior preguiça de passar uma maquiagem, e me questionei se não dava pra me considerar bonita de cara limpa mesmo! Tentei responder passando "só" blush e corretivo bem leve, e acho que por hoje está bom assim.
Cristal, já que você tb falou das séries criminais, você assistiu (ou leu) I'll be gone in the dark? <3
E que vídeo incrível mesmo o da Thai! Já saí compartilhando! :D