Eu costumava dizer que cozinho as coisas em fogo baixo, que demoro pra processar e digerir, que sou lenta em fazer, pensar, discutir, decidir. Mas basta um piscar de olhos pra torrada queimar na frigideira. Pro arroz pegar o fundo. Pra cebola tostar. Se eu fizesse tudo em fogo baixo, não teria tanta pressa. Não explodiria. Não tentaria resolver tudo a todo momento.
Faço tudo em fogo alto, na verdade. Esqueço de baixar. Descobri que tinha esse problema observando outros amigos cozinhando. Meus ovos mexidos não davam certo. Meu frango não ficava macio. O molho de tomate queimava. Quero que fique pronto logo, quero chegar no fim de uma só vez, rápido. Não quero curtir o caminho, que caminho? Esperar?
Não tenho paciência. Ando rápido. Passo na frente das pessoas que caminham em passo normal mas que eu diria que são lentas. “A vida é pra se mexer” coloquei de título de um outro texto. Me mexo o tempo todo. Em casa, pra lá e pra cá. Na rua, de um ponto a outro. Na academia, pago pra me mexer de um modo muito específico. Faço força em um nível que fico esgotada, suada, dolorida, com tanto peso que não suporto chegar na oitava repetição. Sou uma mulher obsessiva, preciso disso: chegar à exaustão.
Não sei esperar, nunca soube. Se eu quero, eu faço. Não existe impossível no meu vocabulário, existe adequar o planejamento. É um pouco arrogante, mas é também enxergar o horizonte como um infinito de possibilidades.
Fico rindo pensando na hipocrisia e cegueira de me enxergar, eu, uma pessoa extremamente atacada e ansiosa, de pessoa que cozinha as coisas em fogo baixo. Eu sucumbo à raiva o tempo todo. Eu sou tão acelerada que dá pra ver que o jeito que falo é em 1,5x no mínimo.
Não que isso seja saudável, digamos. Não recomendo. Mas pelo menos agora eu tô admitindo.
Coloco o fogo baixo pra não queimar a cafeteira italiana. Abaixo o fogo pra fazer a crepioca não queimar. Até agora, ambas cafeteira e frigideira estão impecáveis.
Ser uma pessoa lenta que cozinha tudo em fogo baixo era um ideal muito bonito de ser boazinha, dócil, domesticada, subordinada, submissa. Eu nunca fui essa pessoa, mas mesmo que não fosse, eu queria de alguma maneira ser. “Se o que eu sou é também o que eu escolhi ser aceito a condição”. Eu aceitava, eu dizia que era, eu acabava sendo.
É preciso algum equilíbrio, é verdade, mas admitir que sou uma pessoa que deixa o fogo alto me permite incendiar tudo quando for preciso. Às vezes a gente precisa queimar tudo, jogar tudo fora e começar de novo. É uma delicadeza usar o fogo alto, requer muita atenção, movimentos rápidos e precisos, delicados, para que tudo dê certo sem que nada queime. São delicadezas distintas: uma é a da espera, outra é a do cuidado e da atenção.
Que metáfora boa! Acho que na maior parte do tempo sou a pessoa do fogo alto (e na cozinha tenho os mesmos perrengues). Fogo baixo só pra decisões grandes da vida.
eu me reconheço bastante neste lugar da pessoa do fogo sempre alto, querendo resolver tudo sempre no menor tempo possível e me esquecendo de que muitas coisas têm o seu próprio tempo e que o que eu considero lentidão, na verdade, é um respiro necessário.