Outro dia eu tava pensando que, conforme o tempo passa, estou cada vez na mesma medida mais radical e também mais flexível. O que parece não fazer sentido nenhum, então vou tentar explicar.
Ao longo desses anos que trabalho e estudo sustentabilidade, fui passando da superfície pra profundeza do debate. Quando eu comecei a falar de lixo zero, era um olhar pro que tá no pires, na superfície. O xampu sólido no lugar do líquido; a embalagem de papel no lugar da de vidro; o canudinho reutilizável. Eu não tô dizendo que essas coisas não importam, mas elas são a superfície: é repousar a mão na água sem submergir.
Aos poucos comecei a me incomodar com as questões não ditas por trás dessas ações e comecei a investigar. E ser muito questionada sobre, de um jeito bom, por vocês. “Mas qual a vantagem de fazer os cosméticos em casa se você tem que comprar vários produtos e gerar lixo de várias embalagens?” vocês me perguntavam. Ou “Que diferença faz eu comprar a granel se pra loja as coisas chegam todas embaladas?”. Eu sempre começava com “não sei” pra na sequência vir com “boa pergunta” e ter um triplex alugado na minha cabeça com o assunto por dias.
Pensar nisso me fez desvendar camadas e mais camadas de coisas e me fez radicalizar em qual tem que ser a solução: acabar o capitalismo. Esse é o centro dos problemas, do lixo, da desigualdade, de tudo-que-há-de-ruim. Não à toa eu falo disso todo texto que eu faço, todo vídeo, todo episódio do podcast. (Lembrando que eu acho ótimo ser radical, detesto ficar em cima do muro das coisas da vida, vamos com coragem!!).
E nisso entrou um ceticismo de tudo-que-anunciam-por-aí: lindo o que a Noruega faz no país dela, mas olha o estrago com mineração que ela tá fazendo no Brasil; legal essa iniciativa dessa empresa, mas por que não mudou todos os produtos?; fofo que vocês reduziram 45% do plástico usado, mas e se reduzisse 100%?. E bem, essa versão amarguinha da vida é complicada pra uma coisa que a Sabrina Fernandes e a Rita Von Hunty falam bastante que é perder a capacidade de ter imaginação política.
Como pensar coisas boas, saídas, quando a gente sabe que os esforços são tão pouquinhos pro tamanho do problema? É aí que entra minha flexibilização.
Nesses anos eu também conheci diversas pessoas, fiz palestras em empresas, em escolas, em muitos lugares e ouvi muita gente contando coisas que conseguiram fazer ou mudar nos processos internos que elas fazem parte. E é difícil, se você já trabalhou em uma empresa, sabe como é difícil.
Conhecer as histórias pelo lado de dentro me fez flexibilizar meu amargor, por lembrar que tem pessoas envolvidas em todos os processos. E muitas vezes são pessoas que estão tentando a melhor coisa possível, esbarrando em limites que não as competem, mas tão tentando.
É muito bom ouvir as pessoas me contarem as coisas que foram atrás dentro do seu espaço, pra mudar práticas impactantes dentro das suas empresas. A gerente de marketing de uma marca enorme me disse uma vez que, depois de ver uma palestra minha (olha a honra!), ela começou a fazer várias coisas no trabalho (que vão de reflorestamento a venda de tecidos parados, o lixo do escritório, trabalhos em parceria com ongs e organizações sociais, muita coisa meeeesmo).
É nisso que fiquei muito mais flexível, porque antes de jogar hate (como dizem os jovens - mentira eu digo também) nas práticas das empresas, eu sempre penso que foram pessoas que pensaram naquilo. É mais fácil a gente deixar o amargor reinar, comentar que não foi o suficiente. E no geral, não é mesmo o suficiente. Mas pras pessoas que fizeram aquilo acontecer, é provavelmente mais que elas puderam imaginar que daria na maior parte das vezes.
Tem essa frase que todo mundo já ouviu que é “menos é mais”. Meu pai usava uma versão alternativa dela como assinatura de email uma época que eu achava muito poética, que era “dividido é multiplicado”.
A gente nunca sabe como que as nossas pequenas ações vão reverberar no outro, quem vão encontrar no meio do caminho e como dividir o que a gente faz, gosta, se encanta, aprendeu, como se multiplicar em muitas pessoas fazendo a mesma coisa.
Eu sou uma pessoa positiva. Propositiva. Eu gosto de construir, de ver florescer. De mudar, de criar, de costurar. Não combina comigo ficar de amargor com coisas que estão crescendo, ainda que não sejam as coisas perfeitas. É por isso que, por radical que eu esteja sobre qual é a saída hoje em dia, eu também sou mais flexível na aceitação das ações que não são suficientes.
Talvez, inclusive, a gente devesse olhar pras ações que a gente sabe que são insuficientes e tratá-las como tal e não como tentativa de serem a salvação. A maioria das discussões que andam em círculos sobre essas coisas são só desgastantes. Vamos focar no que funciona, no que cresce, no que cria mudança.
6 coisas aleatórias que amo no verão
Beber água gelada
Tomar banho frio
Ficar salgada de água do mar
Ficar quente depois de um dia de praia, aquela sensação boa de ter pego solzinho (mas sem se queimar!)
Noites quentes com vento
Que parece que todo mundo tá mais feliz
Palavras dos outros
“No ashram, eu tinha vivido sem ela e ao mesmo tempo ansiado por ela, mas agora que estávamos juntas eu muitas vezes me deparava com o pavor, a sensação de que me enganara, de que talvez não a quisesse nem precisasse dela, apenas para voltar à noção com que vivi toda a minha vida, de que estar sem ela era um inferno, um sofrimento imenso. E mesmo agora, quando estou sem ela, quando quero ficar sem ela, quando sei que sua presença é a fonte da minha infelicidade – aquele anseio adquirido ainda cresce, aquele desejo pelo toque do algodão branco e macio puído nas pontas.”
- do livro Açúcar Queimado, da Avni Doshi
Curtinhas
Tô lendo: Tudo sobre o amor, da bell hooks; Açúcar queimado da Avni Doshi e Esboço da Rachel Cusk. Tudo sempre tá no meu skoob (mas sempre tem mais coisa lá).
Alguém pra seguir: a Ariana Lorelei, que tinha um blog marabrilhoso (mas que ela excluiu, snif) chamado Paris To Go e que era sobre lixo zero com dicas e insights bons demais, ela é super engraçada. Ela ainda posta sobre o guarda-roupa dela, que é EXTREMAMENTE compacto. Tem um destaque nos stories com dicas e os posts ainda falam de lixo zero.
Excelente! <3
Cristal, muito obrigada por suas reflexões <3 nesse texto você expôs tudo que sempre pensei mas nunca consegui colocar em palavras.