O corpo em posição de homem vitruviano em cima da água. Não qualquer água, do mar. Flutuando. Flotando, em espanhol. Gosto muito de repetir em espanhol “flotando en el água”. Tentando relaxar, mas relaxada. A água entrando e saindo dos ouvidos, gerando um som delicado de água mexendo e abafando os sons da praia. Uma sensação de descanso da gravidade, uma suspensão da realidade. Não dura muito, rapidamente vem a sensação de que o mar carregou pra longe, mesmo que não tenha correnteza alguma que justifique. Confia. Mantém os olhos fechados. Medo de ter ido muito pro fundo, ainda que saiba nadar todos os estilos na piscina. Não tem onda, mas uma leve ondulação balança o corpo de tanto em tanto. Difícil confiar e relaxar, mas segue. Amo ficar assim, de olhos fechados, ouvindo, respirando, pensando e flotando en el água.

Enquanto o avião pegava velocidade pra decolar, pensei que tava com saudades de voar. O avião solta do chão. Quando o avião solta do chão é o mesmo frio na barriga de se posicionar flutuando no mar, foi o que pensei. Ainda que no avião a gente não tenha essa suspensão da gravidade, o nosso peso segue pesado, tem uma sensação de flutuar no céu. Olhar de cima, saber que estar voando, talvez seja uma sensação psicológica mais que que corpórea.
Nunca tinha parado pra pensar tanto em gostar de flutuar até ver uma cena no filme argentino El Nido Vacio onde os personagens estão flotando de mãos dadas. O filme fala da síndrome do ninho vazio dos pais quando os filhos saem de casa de uma maneira bem argentina e meio surreal, mas essa cena em si me deixou muito pensativa. É sobre confiar, eu pensei. Se deixar flutuar, confiar na água, fechar os olhos, não ter controle por uns minutinhos. Pegar na mão de quem você ama, se permitir isso em conjunto.
Toda vez que eu vôo, fico olhando lá de cima o mundo e pensando em como sou pequena e o mundo, tão grande. Essa sensação me recobre um pouco pra realidade. Me devolve pro meu tamanho.
Medo de tudo que não existe: tubarão, peixe que morde, onda grande, correnteza que afoga. Olhos fechados, o mar abaixo não tão fundo que dá até pé, mas medo de ser dragada. Pra confiar é preciso flutuar. Pra confiar é preciso voar.

O barulho do motor de um barco chega através da água que balança nos ouvidos. A pele começa a secar, o medo aumenta, dá uma sensação de que confiei demais. Desfaço a flutuação, mergulho e olho ao redor. Não estou tão fundo, a água dá pé, o guarda sol dos meus amigos tá bem na minha frente, não tem nenhuma onda e um barco passa muito muito longe. Passaram só poucos minutos, ainda que tenha parecido uma eternidade. Vamos de novo.
“Às vezes eu só percebo que tô com sede quando saio de casa” foi o que eu escrevi no bloco de notas.
que experiência que foi esse texto!
Meditei :)