Três minicontos de amor
Uma cafeteira nova, De mudança e Uma calculadora enviada pelo correio
[explicação sobre os textos logo abaixo deles]
Uma cafeteira nova
Pra dois cafés, pra duas pessoas
Comprei uma cafeteira maior, pra fazer dois cafés de uma vez só. Eu só tinha uma cafeteira que fazia precisamente uma xícara de café. Pra mim. Eu diria que era para receber amigos e fazer café em maior quantidade para todas as visitas, mas eu comprei pensando no café-da-manhã que você tomaria comigo. Pra nós.
A gente se engana, né? Eu falei que não queria nada. Eu listei motivos pra não querer nada. Ao mesmo tempo que eu bolei cerca de cinco planos com diversos cenários diferentes pra nós. Nós.
Talvez seja a influência da minha mãe, uma pessoa muito prática que está sempre resolvendo as coisas muito velozmente, como um furacão. Eu sou lenta, sempre fui. Teve uma época que ela me fez tomar guaraná em pó todos os dias pra ver se a lentidão se dissipava. Não aconteceu. Eu cozinho tudo em fogo baixo, observando e admirando as coisas pequenas. Mas na minha cabeça faz sentido me antecipar e bolar planos diferentes, saídas e caminhos diversos.
Eu fiz planos enquanto lia, me perdi nos parágrafos e tive que voltar páginas no livro. Pensei: “que besteira”. Mas comprei a cafeteira. Agora posso fazer dois cafés de uma só vez. Um pra você, um pra mim. Pra nós.
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“O passado é um intrometido - está sempre presente.” - Quintana
De mudança
Enquanto a gente encaixotava minhas coisas, vi ele olhando para tudo espalhado no chão com uma cara de dúvida. Com certeza ele tava pensando o que diabos tava fazendo, indo morar com uma mulher que tem tantos livros, materiais de costura, animais, linhas de tricô, caixas de papelão vazia, móveis, papelaria – e isso era só o escritório. Ele, que apesar de não ser minimalista e ter também uma casa colorida, tinha só o necessário. É daquele tipo de pessoa que não gosta de excessos, gosta de muito pouco. Ainda que a casa, pequena, seja cheia de quadros coloridos, móveis bonitos, tapetes estampados.
Uma calculadora enviada pelo correio.
Uma história de amor em três atos: um par de meia. Um anel quebrado. Uma calculadora enviada pelo correio.
Peguei tudo que era meu e tinha pra pegar, enquanto ele parecia meio surpreso com isso estar sendo feito só dois dias depois de ter terminado. Eu não queria ficar com nenhuma pendência, nenhum fio transparente pra eu esbarrar no futuro. O anel quebrado inclusive. Mas aí, meses depois, enquanto organizava uma gaveta, achei a calculadora que ele me emprestou no meio das minhas coisas. Debati como seria o melhor jeito de devolver: pelo correio. Sem avisar, sem precisar falar, com código de rastreamento pra eu saber que chegou. O uber ainda sugere o endereço dele pra eu chamar, mas já faz tempo suficiente pra eu ter esquecido o endereço e precisar pesquisar na conversa o número do apartamento.
Tenho muita raiva, não consigo disfarçar. Nem quero. Não sei porque tenho raiva, vai ver são todos os sentimentos que, trancados no fundo da gaveta, junto com a calculadora, apodreceram, fermentaram e começaram a vazar. Procuro em um dicionário palavras que decifrem o que eu tô sentindo. Não sei dizer. Mas tudo bem, eu posso sentir.
Escrevi esses três minicontos de amor ao longo de muitos últimos meses. Não sabia onde postar, porque isso não é um blog como o que eu postava textos de amor listado na tag “paixões”. Mas também não é uma newsletter só sobre sustentabilidade. Então resolvi juntar os três e postar aqui, juntos. Parece uma trilogia, parece uma ordem que faz sentido. Parece várias coisas. Qualquer semelhança com a realidade é pura coincidência. Isso aqui é ficção.
Beijos,
Cristal Muniz