Terminei de ler um dos livros mais bonitos que já li que chama How To Do Nothing da Jenny Odell e, como o título diz, é sobre aprender a não fazer nada. Eu já citei ele aqui outras vezes, mas agora que li por inteiro sinto que ele me transformou por completo e acho que vou relê-lo para sempre. Mas o ponto do livro que quero trazer aqui é da nossa atenção nas coisas.
Eu sempre me considerei uma pessoa atenta. Eu não sei dirigir, então sempre andei de ônibus e observar a cidade com atenção é uma das coisas que me desmotiva a ir tirar a carteira. Eu gosto de ficar olhando as casas, o mar, o sol, as plantas, as mudanças que andam acontecendo como aquela loja da esquina que nada dá certo – e aí eu já conjecturo que o aluguel deve ser muito alto – ou esperando saber o que vai abrir naquele outro lugar e torcendo pra que seja uma padaria.
Eu sou bastante curiosa também, viciada em aprender e minha humilde meta de vida é saber tudo (risos nervosos). Eu quero saber a história dos lugares, o nome das plantas, o que acontece em cada canto que me cerca. Talvez seja resquício de morar no interior, porque de fato a gente acompanha a vida de todos os outros.
Estar em casa tendo todas as minhas conversas mediadas pelas telas e, em última instância, pelas redes sociais, tem me deixado exausta (e agora ainda vou ter aulas online, quero morrer). Passe 1 min com o celular na mão e você já viu centenas de manchetes, fotos, atualizações de amigos, notificações, vídeos e ainda tem mais pra ver porque a página atualizou. Essa economia da atenção faz com que você passe 1h mexendo nos seus feeds sem conseguir dizer pra alguém o que você estava fazendo realmente ali. É um hiperfoco sem ter na verdade atenção alguma.
Eu, que trabalho aqui na internet, me pego várias vezes ao dia depois de 30 min com o celular na mão sem LEMBRAR o que eu tinha ido fazer pra começo de conversa. E isso é de propósito, é arquitetado, desenhado. O celular e o mecanismo das redes sociais é feito pra te atrapalhar, pra sua atenção ser dissipada e você ficar um tempo meio zumbi rodando o feed pra cima pra cima pra cima. E é essa atenção que a gente tem colocado nesses lugares que eu acho tão nocivo que eu queria apontar pra você prestar atenção na sua atenção. Porque ela poderia estar em outras coisas.
"Essa conexão constante – e a dificuldade de manter qualquer tipo de silêncio ou interioridade – já é um problema."
– Jenny Odell
Tem dias que eu tô tão exausta que eu fecho os olhos pra descansar. Ou saio dar uma volta na rua com a minha cachorra.
Isso traz um antídoto pra esse uso da tela muito básico: tempo e espaço. Quando eu caminho e me movimento, as coisas mudam ao meu redor. Eu sinto no corpo o vento encanado na esquina ou ouço os barulhos dos pássaros chegando. Eu sinto no corpo que estou num lugar diferente, eu saio da construção visual/mental das conexões. E eu tenho uma sensação diferente de tempo, de informações que são possíveis de serem vistas. Ainda que tenha muita coisa na rua, o que tá bem longe eu só consigo analisar chegando bem perto, me movimentando e movimentando meu espaço ao redor também.
O que eu quero dizer com esse texto todo é: onde está sua atenção? Você tem reparado nas minúcias que acontecem ao seu redor? Você reparou nas árvores que existem na sua rua e o ciclo de vida delas? A espécie e o nome delas? Quando um pássaro canta, você presta atenção e ouve profundamente até entender que tipo de pássaro fala assim?
Sinto que a gente tem perdido muito de vida zumbis nas telas. Tem muita vida lá fora pra gente observar, se conectar, se comunicar e sentir pelo corpo todo e a gente não faz em parte porque está completamente cansado, com pressa, vivendo uma vida que não permite mesmo esse tempo pra observar. E o que isso tem a ver com sustentabilidade? Nada é mais radical e sustentável que ser anticapitalista. Que romper com as expectativas das grandes corporações sobre a gente. Nada é mais radical que ter lido, com atenção, esse texto até o fim sem interrupções.
Um beijo,
Cristal Muniz
Esse texto foi publicado originalmente na newsletter do blog Uma Vida Sem Lixo em 28 de agosto de 2020 e resolvi trazer pra cá pra ter esse arquivo aqui. Você sempre pode: comentar no site ou responder esse email pra dizer o que achou. :)
achei esse texto um mimo
Sinto que você estava falando de mim, até em detalhes como passear com a cachorra para se sentir viva <3 gostei demais